5 de novembro de 2013

DIA Z PARTE 3



Ao acordar uma forte luz penetrou sua íris, fazendo sua pupila se contrair e sua cabeça doer. Jéssica imediatamente fechou os olhos, colocando a mão a frente do rosto. Sua mente estava confusa e seus olhos doíam com aquela claridade toda; era como se nunca os tivesse usado. Tornou a abri-los, desta vez devagar, tentando filtrar a luz por entre os dedos da mão.

- Onde estou?

Ela sentia-se tonta, as coisas pareciam girar e dançar a sua volta. Apoiando-se na parede, ela primeiramente ficou de joelhos, então foi levantando aos poucos, a medida que as coisas ao redor começavam a ficar paradas e menos confusas. Assim que conseguiu observar com clareza o lugar, Jéssica foi tomada por pavor, sua respiração acelerou e ela cambaleou para trás, quase caindo ao esbarrar em uma mesinha. Haviam três corpos a sua frente, sendo um deles o de William. Seus óculos estavam quebrados e sangue escorria de sua boca, juntando-se a enorme poça vermelha formada abaixo de sua cabeça.

''Meu Deus, Lucas!''



Assim que lembrou-se, começou a procurar e chamar o amigo, mas ele não estava em lugar algum. Jéssica olhou para todos os lados e então deu-se conta de que seus dedos estavam fechados sobre alguma coisa. Assustou-se ao ver que segurava uma pistola, deixando-a cair no chão; então se abaixou e a pegou novamente.

- Lucas! - chamou de novo, mas a unica resposta que recebia era do suave som das máquinas de refrigeração espalhadas pela sala.



O ar ali dentro havia ficado mais frio. Jéssica encolheu os braços; havia uma folha e uma caneta no chão, próxima de onde ela estava, parecia um bilhete. Ela foi até la e abaixou-se para pega-la... aquela era a letra de Lucas...

Quando terminou de ler aquelas palavras, tudo que conseguia fazer era chorar. Sentia tristeza e ódio, medo e ansiedade, tudo ao mesmo tempo. Ainda tremendo, Jéssica levantou-se e caminhou até a porta de saída. Abriu-a o mais devagar possível, quase exitando; estava com medo do que encontraria. Queria que nada disso fosse real; queria abrir os olhos e acordar desse pesadelo e abraçar Lucas com toda a força... queria... mas, ao atravessar a porta, tudo ficou ainda pior, e o pesadelo era de fato real. Sau direto naquele enorme corredor metálico cheio de corpos, e logo adiante estava Lucas, sentado de costas contra a parede. Ela gritou e colocou a mão sobre a boca quando o viu. Havia sangue e pedaços - sobre os quais ela não quis pensar a respeito - espirrados na parede atrás dele. Sua cabeça estava caída com a face voltada para o chão, os negros cabelos caindo-lhe sobre o rosto. Seus braços sem vida pendiam abertamente, e em sua mão esquerda repousava o revolver usado. Jéssica não conseguiu olhar, então voltou e fechou a porta atrás de sí.

- Meu Deus, Lucas... - disse ela, chorando, encostada contra a porta. Aquilo não podia estar acontecendo. Ao seu lado, mais ao fundo, havia uma espécie de cortina branca, ela caminhou até lá e a puxou. Antes de sair, ainda vasculhou todos os freezers em busca de outra daquelas malditas seringas, mas realmente não haviam mais. Lucas sacrificou-se por ela; ele estava sempre a protegendo; ele estava sempre com ela; ele a amava e nunca disse sequer uma palavra sobre isso. Novamente no corredor, ela se aproximou do amigo, deitou-o, e o cobriu com aquela cortina branca. A pele de seu rosto estava bem pálida, indicando que ele se encontrava morto a algumas horas. Jéssica segurou a mão de Lucas e acariciou os cabelos do amigo, tirando-os do rosto e ajeitando- os para trás. Seus olhos encheram-se de lágrimas novamente e, após um breve momento em silêncio, ela finalmente disse:

- Eu queria que você pudesse ouvir isto... eu também te amo, muito mais do que você possa ter imaginado, e... meu Deus, sinto tanto que isto tenha acontecido... eu, eu queria poder voltar no tempo... - disse estas palavras, a medida que aproximava seus lábios dos lábios dele, e então beijou-o suavemente, deixando algumas lágrimas pingarem sobre sua face. - ... eu queria poder voltar no tempo para poder beijar os seus lábios quentes, vivos... fique em paz meu amigo, meu amor... - olhou-o uma ultima vez e em seguida cobriu-lhe o rosto, sem dizer mais nada.

Aquele lugar já começava a cheirar muito mal. Somente agora ela sentiu o cheiro putrefato de morte que vinha daqueles cadáveres caídos ao longo do corredor. Jéssica retirou o pente da arma para checar as balas e a engatilhou novamente(havia aprendido algumas coisas com o pai que era tenente da marinha). Pegou o revolver 38 de Lucas e guardou dentro da bolsa que havia encontrado perto do corpo de William. Já era hora de sair daquele lugar. Entrou no elevador e apertou o botão que levava ao térreo. Enquanto a porta fechava, não tirou os olhos um segundo sequer do corpo de Lucas. Era a ultima vez que ela o veria. Enquanto o elevador ia subindo, Jéssica sentiu-se tonta novamente e com náuseas; sua visão ficou nebulosa e ela vomitou um líquido amarelo e sangrento. A porta do elevador abriu e ela saiu cambaleando para dentro da farmácia, até encontrar algo em que pudesse se apoiar. Lá fora a noite já dava seus últimos suspiros e um céu negro azulado começava a formar-se entre nuvens. Ela parou um instante e respirou fundo, não podia desistir, precisava continuar viva, por Lucas. Sentiu-se capaz de prosseguir, então saiu.

As ruas estavam vazias, com fatalidades, e com carros acidentados e abandonados em toda parte, e havia algo mais além do vento zunindo; gemidos distantes pareciam emergir de dentro de prédios, e também por entre os mesmos. A mais ou menos três quadras de distância, um pequeno grupo de quatro zumbis apareceu caminhando sem direção, encontraram alguns corpos e caíram sobre os mesmos. Jéssica aproveitou para passar despercebida, mas tão logo dobrou a esquina, seu coração quase pulou pela boca. Aquela rua estava infestada de zumbis que agitaram-se assim que a perceberam. Ela deu meia volta e correu, os zumbis atrás dela pareciam incansáveis e famintos. O quarteto anterior também levantou-se ao perceberem Jéssica e começaram a persegui-la. Ela corria com todas suas forças, mas não era o suficiente - ainda sentia os efeitos do vírus que a algumas horas atrás estava a matando. Adiante, mais zumbis surgiram e ela agora via-se cercada. Suor escorria-lhe a testa e ela não conseguia pensar em nada - tirando o fato de que seria devorada -, mas encontrou uma possível saída, disparou contra a cabeça de um zumbi já muito próximo e correu. Jéssica subiu em cima de uma caminhonete, pulou por cima de outro carro e chegou até uma rua segura, seus olhos procurando desesperadamente por um abrigo; avistou um shopping e foi até ele, rezando para que la dentro fosse mais seguro que lá fora.

O que um dia havia sido um shopping center, agora era um cenário de guerra. Haviam muitos corpos mutilados pelo chão, que variavam entre zumbis e pessoas que não tiveram sorte. Jéssica viu um policial morto e foi até ele procurar por sua arma. O braço do policial estava comido próximo ao ombro e dava para ver o osso branco sangrento entre a carne mastigada; e na ponta desse braço, estava uma mão pálida que não possuía mais forças para segurar a arma que descansava em sua palma. Jéssica pegou a pistola e percebeu que estava descarregada, mas decidiu leva-la consigo mesmo assim.

As escadas rolantes estavam paradas, ela foi até lá e subiu por degraus e corrimões manchados de sangue, precisando passar por cima do corpo de uma senhora que estava caída com ferimentos de bala no peito e com um buraco - provavelmente também causado por um tiro - no lugar de onde um dia havia estado um olho. Lá em cima haviam mais corpos, um deles com a cabeça semi separada do corpo, o corte todo irregular indicava que havia sido mastigado. A maioria das vidraças estavam quebradas, e mesas e cadeiras estavam postas contra as portas. O corpo de uma mulher estava debruçado sobre a vidraça quebrada de uma relojoaria, empalado na altura do abdômen por um grosso pedaço de vidro. O cheiro ali parecia ainda pior do que la em baixo, mas ela continuou; se quisesse sobreviver, precisaria encontrar ajuda e suprimentos.

Aquele era um dos maiores shoppings da cidade e ela o conhecia bem, pois já esteve ali muitas vezes. O centro de alimentação mais próximo ficava logo mais adiante. Chegando lá, Jéssica ouviu barulhos, abaixou-se e tentou identificar de onde vinham. Alguns zumbis perambulavam e esbarravam entre as mesas e cadeiras mais ao fundo. Jéssica pegou um copo grande que encontrou caído e o jogou com força contra a parede do outro lado. O som de vidro estilhaçado foi alto o suficiente e os zumbis começaram a movimentar-se naquela direção. Ainda abaixada, chegou até uma vitrine de comidas, fez a volta e colocou alimentos e garrafas de água dentro da bolsa. Aquela bolsa, aliás, estava ficando muito pesada e desconfortável, ela precisava encontrar algo maior e que não a cansasse tanto. Levantou-se com cuidado; os zumbis mantinham-se agitados ao fundo, então se apressou antes que pudesse ser vista, retornando ao corredor. Aquela bolsa estava realmente incomodando e seu ombro doía; ela precisava parar um pouco para descansar e tomar água. Estava com muita sede, e enquanto bebia, acabou avistando uma loja bazar, destas que vendem materiais escolares. Lá dentro, pegou a maior mochila que encontrou, passou tudo pra dentro dela e colocou-a nas costas.

O centro de alimentação seguinte estava completamente bagunçado, mas estava vazio. Jéssica ja estava indo a procura de mais alimentos, quando ouviu gritos e tiros. Ela correu abaixada até a sacada e observou atônita uma cena angustiante: lá em baixo, dois policias tentavam fugir de um grupo de zumbis e um deles parecia ferido e estava sendo arrastado pelo companheiro, deixando um grande rastro de sangue a medida que prosseguiam. O policial que estava em pé passou sua arma pro companheiro ferido e ele começou a atirar, enquanto o outro tentava encontrar um lugar onde pudessem se abrigar. As portas estavam todas fechadas e bloqueadas. Quatro zumbis terminaram abatidos, mas haviam mais deles se aproximando. De repente a arma do policial parou de disparar e ele gritou pedindo munição. Eles não iriam conseguir, Jéssica precisava fazer algo. Ela mirou e disparou, mas não era uma boa atiradora. Um de seus disparos atingiu a perna de um dos zumbis e o derrubou; o zumbi caído começou a se arrastar. Mais tiros, porém, nenhum acerto. O policial conseguiu arrombar a porta de uma loja e voltou pelo companheiro, pegou a arma, carregou-a e disparou nos mais próximos. Quando a situação parecia mais controlada, outro zumbi surgiu as suas costas, saindo pela porta a qual ele havia recém arrombado. Jéssica gritou, alertando-o antes que fosse muito tarde. O policial abateu o zumbi e voltou a puxar o companheiro. As coisas pioraram e, de uma hora para outra eles começaram a ver-se cercados e sem opções; foi quando mais dois homens apareceram para ajuda-los. Eles vieram gritando e disparando, fazendo os zumbis se espalharem, e serem mais facilmente abatidos, dando tempo para que os policiais se abrigassem. Jéssica disparou sua arma mais algumas vezes e conseguiu derrubar mais um. Com o perigo eliminado, o ambiente havia ficado silencioso - com exceção do zunido que havia penetrado os ouvidos de Jéssica, e de sua respiração ofegante. La em baixo parecia tudo bem, os homens aproximaram-se dos policiais e foram cumprimentados. Em seguida se viraram na direção da sacada do centro de alimentação. O policial agradeceu Jéssica e eles ficaram em silêncio por alguns segundos, quando um dos homens gritou apontando para cima. Dois zumbis se aproximavam pelas costas de Jéssica e quando ela virou já estavam praticamente em cima. Não deu tempo de fugir, eles a seguraram e com um passo em falso, Jéssica acabou caindo da sacada, levando os zumbis consigo. Todos aproximaram-se imediatamente para ajuda-la, mataram os zumbis e a puxaram inconsciente de baixo deles.

Conto escrito por Otávio Augusto Hoeser.
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Sabine d'Alincourt